Fazer grogo

 

Cachaça se faz em grandes e pequenas quantidades. E costuma-se dizer: ' cachaça boa é manual ', na verdade, artesanal, feita com carinho, sob o olho do dono. Carlos Eduardo Gravata, no seu Manual da Cachaça Artesanal, pontifica que há dois tipos principais de aguardente de cana: . a industrializada que, geralmente é feita de melaço, subproduto do açúcar, misturada ou não a aguardente de outros grandes fornecedores que produzem cachaça em destiladores contínuos atingindo milhares de litros por dia de produção; . a outra é a aguardente de cana artesanal.

Feita exclusivamente do caldo da cana e em pequenos alambiques, geralmente fabricados de cobre martelado manualmente. A cachaça é fabricada em bateladas e sem ' misturas '. E para se conseguir uma boa cachaça artesanal, um cuidadoso roteiro deve ser obedecido: . o primeiro passo é ter uma boa terra e plantar uma boa cana; então selecciona-se a cana e colhe-se no período certo, cortando-se a cana e separando o broto; . depois, a cana passa pela moagem mecânica de onde sai o caldo, a doce e boa, garapa; . em seguida, o caldo vai para as dornas de fermentação, grandes tachos de madeira; . ali, depois de 24 horas fermentando, o açúcar se transforma em álcool, obtendo-se o vinho da cana; . daí, o vinho vai para o alambique de cobre, para ser aquecido, fervido e transformado em cachaça; . agora a cachaça pode ser bebida ou envelhecida em barris de madeira.

Em geral, ela é feita assim, com alguma pequena variação no material utilizado para fermentar, no tempo de permanência nas dornas, no uso dos tipos de cachaça que saem em cada momento de destilação. Os mais radicais recomendam que apenas 20% da produção deve ser comercializada, aqueles 20% obtidos no meio da destilação, chamada de corpo ou coração.

Os primeiros 40%, a cabeça, e os últimos 40%, o rabo ou cauda, devem ficar fora de uma boa cachaça. As quantidades não precisam ser exactamente essas, mas a primeira cachaça é muito forte e a última, muito fraca. Assim, o importante é saber cortar no lugar certo. Célio Santiago produz a mais famosa cachaça Santomense. Numa reportagem ao programa Segredo de Mestre da Televisão Santomense, Célio Santiago resume sua artesania: ' mais interessado em falar sobre sua roça de milho, que ' desenvolve igual moça, de uma hora para outra ', Célio revela o segredo da Mé-Zóchi entre seus ' causos '. ' Não se pode ter usura ', ensina. ' Deve ter paciência e capricho .' Paciência para esperar que a cana java, antiga, cresça sem a ajuda de químicos e para deixar que o fermento, à base de cana triturada e farinha de milho torrado, 'faça arder' a garapa naturalmente. Capricho ao lavar as peças de cobre e na construção do alambique, meticulosamente planejado. E fazer cachaça também inspira poesia.

Tudo começa num velho moinho de pedra que, mesmo merecendo ser peça de museu, insiste no trabalho da vida inteira. Movido a água, tritura milho, dia após dia. Do monte de fubá, que cresce devagar, tanto se pode cozinhar um angú, numa panela de ferro, quanto torrar uma farinha, num tacho de zinco. Saído dos tachos de zinco usados há quatro gerações, o fubá é levado para dornas de madeira, onde tem encontro marcado com a garapa vinda de engrenagens e engenhos.

Acontece, então, a fermentação, boa de ver e de sentir, com espumas borbulhantes e nuances de cheiros e de cores, a natureza se transformando. Fermentado, o caldo da cana que, na feitura da Espírito de Minas, jamais é queimada, passeis pelas curvas das serpentinas dos alambiques e jorra, ainda quente, em tanques dos tempos de hoje, inoxidáveis. Daí, a cachaça que tem nome de poema e gosto de fazenda, chega ao depósito. Hora de envelhecer descansando em velhos toneis de carvalho vindos da Europa, tão longe que nem é bom pensar.'

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